sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

I - " A Carta"



Algures, 18 de Janeiro de 07
Olá…

Um dia destes, por entre copos e gargalhadas, ficou a promessa de um texto meu. Meu nas palavras, e meu nas vivências. Não falto ao prometido, já me conheces, portanto deixo-te aqui as minhas recordações, do dia em que tomei pela primeira vez, um rumo:
Era a milésima vez que me sentava na cadeira, verde-garrafa, do psiquiatra… Merda de cadeira… Suja! viciada de rabos loucos… adiante! Ferviam-me as veias! Estava com disposição de assumir a minha loucura, sendo esta já de conhecimento e consentimento público!

O dito cujo, como de costume, violou novamente as regras de cidadania, para não falar que se tratava de um “psiquiatra conceituado” e acendeu o velho cachimbo preto. Um cheiro adocicado inundou o cubículo e ele sugeriu que me acomodasse o melhor possível na merda da cadeira verde-garrafa. Sempre desconfiei que ele fumava pólen, pois ria-se de mim a bom rir.

Nesse dia, porém, deixei-me de discursos previamente planeados, respostas antecipadamente estudadas, e gestos premeditados. Sugeri àquela velha chaminé que usasse o tal método inovador da hipnose. Irónico, chupou com força o cachimbo e de um trago começou... “concentre-se na minha voz… vai-se sentir cada vez mais leve… mais leve…” e por aí em diante.

A verdade é que o tipo me ofereceu uma viagem grátis, pela minha vida fora, em menos de cinco minutos. Quando acordei, a minha loucura continuava a mesma, mas sabia quando tinha descoberto tal demência. Tinha cinco anos, estava no meio de um acidente aparatoso, em que a minha carrinha da escola, estava envolvida… enquanto a equipa médica se desdobrava em cuidados com as crianças, eu deliciava-me com a pessoa que me assistia! Quando virou costas, a tal pessoa disse à minha professora: “Mais uma criatura homossexual, para este mundo já repleto!”

Então se o mundo era repleto de bichas e machonas, porque não podia eu sê-lo também?
Levantei o traseiro da merda da cadeira verde-garrafa, desejei felicidades ao velho e pus-me a andar!

Quando cheguei à rua, como de costume, acendi o meu charro, e segui na direcção habitual, mas com a ideia de um novo rumo!

Hoje, falo-te com a mesma leveza de sempre, com a mesma fé e com a mesma certeza! Não mudo de convicções, mas vou mudar a minha vida, o meu rumo e sei que tu, mesmo que discutas e me batas, como já o fizeste algumas vezes, vais continuar a aturar-me!


Agradeço-te a paciência.
Já sabes, logo, na tasca do costume!

Ass. EU”

1 comentário:

patricia disse...

Uma cadeira preta, confortável. Uma cara risonha sem cachimbo. Mais bichos na cabeça do que histórias nas pernas. Mais histórias na cabeça do que bichos. Mais bichos de histórias na cabeça. Tudo na cabeça. Nada na cadeira. A cadeira nem se sente. Nem se ouve.